domingo, 24 de janeiro de 2010

Crônica - O compositor

(Por Felipe Pauluk)

Sentar no absoluto frescor da sacada, em um apartamento de frente para o mar e apreciar o contraste tenro da beleza arquitetônica, que invade a natureza divina é a terra fértil da composição.

Escutar o som dos pássaros e dos carros, sem me preocupar se vou ou não a praia no próximo carnaval é uma sensação preguiçosamente saborosa. Visto que a mesma é do outro lado da rua.

Pego meu violão de madeira cheirosa. As cordas tilintam quando lhe seguro pelo braço. É como uma criança que grita de euforia e temor quando um adulto lhe suspende no ar.

Sinto que ele me quer. Ele quer me dar sua voz, seus serviços e harmonia.

Quer que eu dite as regras e toque a minha canção sem rodeios e sem apavoro.

Nem ligo mais para o copo de cerveja que outrora tanto desejei, agora esquenta no calor do azulejo.

O cigarro barato queima indiferente seu fumo no cinzeiro de vidro.

Continuo sentado, de pés cruzados e o sol vermelho de fim de tarde deitando no horizonte. O apartamento já convida a escuridão vagarosa e subliminar.

Cantarolo duas palavras, arrisco uma nota vagabunda e desentoada. Sou somente eu e ele, reis de um instante só. Donos do nosso tempo com a intuição de aumentar o tempo das pessoas.

Aquele tempinho em que ela pára e ouve o entrelaçado piegas das notas na rádio. Aquele tempo em que uma pessoa aguarda mais um momento, mesmo com o semáforo aberto, esperando o refrão começar.

Agora é somente eu e ele. Com seu corpo escultural encaixado no meu, juntos de mãos dadas rumo á melodia incerta, a estrofe improvável e o refrão “swingado”.

Paro de acariciá-lo irregularmente e decido o ritmo inesperado. O sol se vai e vem uma nota:

Dó...

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