domingo, 7 de fevereiro de 2010

Crônica - Eu, a flor e a mulher

(por Felipe Pauluk)

Naquele outono de cor acinzentada, as folhas morriam na imensidão sórdida do chão frio.
Existe a sensação de um céu desprezado pelos mortais surrados pelo vento enregelado. O mundo parecia descansar em uma nevoa nupcial. Era o descanso para enfrentar o frio que chegaria cavalgando sobre a morbidez.
Eu passeava amasiado com meu casaco velho, sentia as minhas narinas cumprimentarem o sonolento oxigênio da praça. As árvores nuas não pareciam envergonhadas em expor seus galhos enrugados pelo tempo. Era como um filme francês que se deslanchava em fotografia paisagística devido ao roteiro airado.
Foi então que, enquanto eu relembrava as palavras abstrusas que Eça destinava aos seus contos portugueses, me deparei com a singularidade graciosa. A grama pálida e as folhas ressequidas não conseguiram ao longo da estação vencer o golpe delicado de uma flor. Ela estava ereta, de um contorno desigual, era como uma modelo que pousava para uma foto.
A estação estava enamorada por ela. Suas pétalas vivas e multicoloridas afogavam o restante da paisagem eu uma cena de um preto-e-branco “cinqüentista”. Era de uma singularidade tão pura que parecia uma virgem a exibir sua beleza rara. Semelhante àquelas moças de jeito virginal que todos os homens atraídos olham e questionam: “Como esta ainda não tem dono? Como não a desposaram ainda?”
Eu a vi. E por um instante, observando a sua submissão irrevogável pensei em tê-la pra mim, só pra mim. Arrancá-la de sua mãe terra, possuí-la abruptamente lhe calando os lábios e poder dizer que a fiz trair o outono covarde.
Mas não.
Senti vergonha, eu não tinha o direito, ninguém me concebeu tão noiva pura, ninguém havia me dito para ser dono de sua inocência branda. Eu realmente não tinha o direito.
Sendo assim, tentei como um menino glutão achar justiça própria para condicioná-la a mim: “Darei a uma mulher. A uma mulher que a mereça. Que mereça sua beleza. Que tenha um encanto semelhante”. Porém, era invalido este motivo, visto que se uma mulher me visse chegando com tal esplendor nas mãos, me daria um servido tapa na face e me diria: “Como ousou violar a beleza desta flor? Volte agora e a devolva ao seu jardim ou praça”.
Apesar d’eu sofrer aquele momento calado, que até me fez abandonar Eça nas memórias, encontrei um afago, um conforto repentino.
Na praça de pombos famintos que rodeavam os bancos, havia uma mulher que não se encontrava formosura nela, ainda mais com aquele agasalho de estampa infantil. Sentada aparentava trinta anos e despreocupada com a beleza modista, pois a maquiagem não fazia morada em seu rosto. Lia Paulo Coelho.
Eu encontrei nela a cruz para crucificar meu pecado do egoísmo e aliviar aquela tensa paixão pela flor, que açoitava meu coração melodrama.
Cheguei perto e disse:
— Com licença.
— Pois não. — Disse ela num instante prestativo.
— Você está vendo aquela flor no jardim da praça?
— Sim. — Ela respondeu sorridente, deduzi que a mulher já havia apreciado esta em algum momento.
— Dou-te. — Disse eu parecendo libertar a dor deste corpo enamorado.
Ela apenas sorriu timidamente e eu me fui.

Um comentário:

  1. Pauluk você descrve muito bem esta mulher, alguém que a principio seria "invisível" pelo seu traje e seu gosto literário, mas que se faz bela, pela inocência. Parabéns.
    juliocesar_hiatoria@yahoo.com.br

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