sábado, 30 de outubro de 2010




Adelaide e seus Demônios.

(Felipe Pauluk)

Numa cadeira de balanço Adelaide, tomada em rugas, mastiga mentalmente o ranger do vai-e-vem.
Fumando mais um de seus cigarros fétidos, ela não se cansa em alimentar este sádico vício, mesmo com as primaveras avançadas.
— Olá, Adelaide. — Diz seu demônio preferido.
Ela toma um fôlego insatisfeito e defeituoso.
— Olá, Brix. Você por aqui outra vez?
Neste momento um trem corta o horizonte e o barulho faz estremecer o casebre.
Brix sentado aos pés da senhora diz:
— Pois é, sempre venho quando posso.
Com a cabeça encostada na cadeira de madeira maciça e comprometida pelo tempo, a mulher gargalha seco.
Coloca o cigarro no canto da boca e pergunta:
— Mas o que é mesmo que há do lado de lá?
O demônio com sua pele de um rubro incandescente acaricia a perna “varizenta” dela.
— Já lhe falei, minha amada, quando chegar a hora da minha vitória, eu lhe mostro. Por enquanto, curta estes sinais apocalípticos que precedem o fim da sua forma humana.
— Ah Brix, você me chama de amada, porém anseia a hora de me ver ser comida pelos vermes. Não é? Seu demônio lazarento.
Os dois riem juntos.
— Mas lá será bom, pode ficar tranqüila. Lá é muito bom. — Diz ele com o sarcasmo entre os dentes.
Adelaide se joga para o lado direito e alcança uma garrafa de whisky envelhecido doze anos. Depois de uma golada ácida e de boca murcha, ela retruca:
— Se é tão bom assim, por que vem pra este lado tantas vezes atormentar a pobre humanidade?
Brix com uma risada de lado, levanta-se e vai até a janela.
— Pois não há algo mais prazeroso do que ver vocês humanos traidores e devotos de toda maldade, definhando na pobreza de suas existência. Suplicando mais uma gota de vida para se arrepender.
Os dois voltam a gargalhar, desta vez mais intensamente.
Repentinamente ouve-se o estouro da garrafa de vidro grosseiro no chão. Adelaide vagarosamente se levanta e tenta ajuntar os cacos, mas o esforço é em vão.
Ao ficar totalmente ereta ela desabafa:
— Mas eu, não me arrependo de nada, e se lá do outro lado puder eu volto fazer.
Num ato súbito Brix vira-se e ordena:
— Chegou a hora, Amada, temos que ir, o “reino” nos espera.
— Um momento, quero me despedir do meu quarto. — Enquanto diz isto ela segue em passos curtos para o aposento.
Brix não gosta da idéia, mas para não contrariá-la aguarda ali.
O tempo passa e a despedida se torna morosa para o demônio. Ele vagueia de um lado para o outro na frente da janela.
Mais um trem passa e novamente a pequena casa estremece. Já sem paciência ele decide ir averiguar o motivo da demora. Ao chegar no quarto apenas encontra um bilhete sobre a cama, que diz assim: Fui com o Chad, meu demônio "mais" preferido do que você.
— Humanos traidores! — Diz Brix raivoso.





Fim

3 comentários:

  1. Cara, que genial! Gostei muito do seu blog também. Parabéns pelos escritos.

    Abraços.

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  2. Show! Muito criativo, parabéns.

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  3. Olá! Muito obrigada pelo seu comentário no meu blog! Também adorei o seu e adorei, em especial, este post! Muito criativo! Muitos parabéns! Beijinho e continue a escrever! :)

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